Jota Canalha é um carioca desses que muitos conhecem ou, pelo menos, adorariam conhecer. Nascido no subúrbio, oriundo de um tecido social em frangalhos, Jota ascendeu apenas o suficiente para tomar assento nos melhores botequins da cidade. Ali montou seu posto de observação, sua trincheira, de onde resume tudo criticamente, primeiro em casos saborosos e, mais recentemente, em forma de samba. Foi nos botequins que passou a conviver com o mundo do samba e a fazer sua crônica.
Conheci o Jota em 1994, quando fomos vizinhos em um apart hotel para duros, ou, como dizia a telefonista local, um “frete”. Eu tinha ido morar naquele moquifo devido a dificuldades financeiras decorrentes de uma separação. Mas Jota estava em seu habitat natural. Foi um ombro amigo em uma hora difícil. Me deu conselhos sobre o melhor inseticida para matar as francesinhas e dicas de como evitar desastres amorosos.
Um dia, em 1998, ele me ligou e disse que tinha feito um samba. Quando fui encontrá-lo, na semana seguinte, já eram dois e bem interessantes. A cada encontro, ele me mostrava uma idéia nova. Até que, um dia, eu falei que era hora de fazermos um disco.
Finalmente, em novembro de 2007, o Canalha me contou que havia recebido uma indenização trabalhista e que agora tínhamos dinheiro para produzir seu primeiro disco. Achei a história estranha, pois sua maior fonte de renda sempre foram os 50% que cobra adiantado por serviços de despachante, que nunca realiza.
Diante da cifra modesta, balancei a cabeça, duvidando da viabilidade da produção. Aí, mais uma vez, o Jota me surpreendeu. Tirou do bolso uma lista de músicos e disse que, com aqueles ali, dava pra fazer o disco. Comecei a ler:
- violão: Mário
- cavaquinho: Orfeu
- violão: Mário
- cavaquinho: Orfeu
Pelo canto do olho, pude ver o risinho do meu compadre…
- percussão: Sunda, Locha e Birunda.
- percussão: Sunda, Locha e Birunda.
Sem perguntar mais nada, guardei o papel no bolso e aceitei a encomenda. Mas, na hora H, resolvi chamar a turma que entende do riscado para caprichar no disco do Jota.
Assim, fomos vestindo caprichosamente sambas de breque, sincopado, partido alto, samba-choro e dolente, numa diversidade musical que acompanha a variedade de temas. A crônica do boteco e do mundo do samba, a diversão das classes populares, a picaretagem das ONGs, a vida conjugal em seus vários aspectos, a transformação estética das mulheres quando bebemos. Tudo tratado com humor politicamente incorreto e delicioso. Não poderia faltar Noel Rosa, ídolo maior do Canalha. O samba Mulher indigesta (1932) ganhou um versinho extra, homenageando as mulheres encrenqueiras dos sambistas de hoje em dia.
É com muita alegria que trazemos para vocês o oráculo das tabernas cariocas, a voz do botequim: Jota Canalha.
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