quinta-feira, 10 de março de 2011

Paulinho da Viola - Memórias Cantando (1976)


Primeira parte de seu álbum de memórias (o segundo é o Memórias Chorando, só com choros) de 1976. Este disco eu comprei num sebo por dois contos e ficou muito tempo encostado porque eu tinha muitos discos e CDs para escutar. Até que um dia eu coloquei pra ouvir e simplesmente não parei mais de ouvir. Quem me conhece sabe que quando eu bitolo em um disco eu fico meses a fio sem tirar da vitrola.

Neste álbum, Paulinho canta músicas que tem um significado especial para ele. Três sambas não são dele. São sambas que ele ouvia quando era criança nas rodas de samba promovidas por seu pai. Sambas lindos com poesias divinas: Pra que mentir (Noel Rosa e Vadico), Nova Ilusão (Claudionor Cruz e Pedro Caetano) e Mente ao meu coração (F. Maltafiano).

Destes três, um é especialmente espetacular.

Nova Ilusão (Claudionor Cruz)
É de teus olhos a luz
Que ilumina e conduz
Minha nova ilusão
É nos teus olhos que eu vejo
O amor, o desejo do meu coração
És um poema na terra
Uma estrela no céu
Um tesouro no mar
És tanta felicidade
Que nem a metade consigo exaltar

Se um beija-flor descobrisse
A doçura e a meiguice
Que os teus lábios têm
Jamais roçaria as asas breijeiras
Por entre roseiras em jardins de ninguém
Ó dona dos sonhos
Ilusão concebida
Surpresa que é vida
Me fez das mulheres
Há no meu coração uma flor em botão
Que abrirá se quiseres



Poesia espetacular, não?

As músicas do Paulinho são lindas como todas as outras deste gênio da musica popular brasileira. E não só do samba. Aliás, eu não sei como o Paulinho não tem o mesmo reconhecimento dos grandes da MPB. Mas isto é assunto pra outro momento.

Vou deixar a letra de uma pérola sua deste disco.

Cantando (Paulinho da Viola)
Lembra daquele tempo
Quando não existia maldade entre nós
Risos, assuntos de vento
Pequenos poemas que foram perdidos momentos depois
Hoje sabemos dos sofrimentos
Tendo no rosto, no peito e nas mãos
Uma dor conhecida
Vivemos, estamos vivendo
Lutando pra justificar as nossas vidas
Cantando um novo sentido, uma nova alegria
Se foi desespero, hoje é sabedoria
Se foi fingimento, hoje é sinceridade
Lutando, ‘que não há sentido de outra maneira
Uma vida não é brincadeira
E só deste jeito é a felicidade




Há um partido alto (Perdoa) versado com seu grande e genial parceiro Elton Medeiros que tambem assina a parceira do samba Dívidas na faixa 4 do lado A. Destaque para a maluca parceira com Sérgio Natureza (Vela no Breu) e para a nova versão de seu samba Coisas do mundo minha nega, considerada por ele seu melhor samba.

Os músicos também são de primeira. Nos violões, César Faria, seu pai, e Cristóvão Bastas. No cavaquinho, próprio Paulinho do Cavaquinho. No baixo, Dininho, filho do mestre Dino 7 Cordas. Na bateria, Hércules. Na flauta, Copinha. No bandolim, seu irmão mais novo, Chiquinho. E no ritmo, Elton Medeiros, Rafael, Chaplin, Jorginho, Elizeu, Marçal, Dazinho. E não pense que a bateria e o baixo descaracterizaram o samba, porque o Paulinho sempre gravou com eles e sempre ficou bom. Este é um timaço.

Um disco cativante, que já está na minha vitrola há dois meses.

 




Memória

De onde vem esta memória, revelando mundos
revirando tudo, como se fosse um tufão?
A varrer, cuspindo entulhos
num erguer e demolir de muros
nas esquecidas e despovoadas ruas de meu coração?
De onde vem esta memória
ás vezes festa, às vezes fúria
num abrir e fechar de portas
Louca procura de respostas, mistura de murmúrios
Fonte de delícias e torturas?
Onde anda agora essa memória?
No mundo da Lua, brincando de soltar subterfúgios
a ficar na sua, se fazendo de surda e me deixando assim
um dia, um ser perdido em lutas e outro
um pobre menino
a flutuar sonhos absurdos?
Onde anda essa memória
a que horas chegará, como sempre, obscura
com suas preciosas falhas
que recolho agradecido
para traçar o rumo de minhas canções?
Velhas estórias, memórias futuras?
Sei de onde vem, já sei por onde andou
Saiu para trocar de roupa, não pode andar nua

Amo o oceano que mantém no fundo
Os mistérios de sua natureza


Paulinho da Viola

Este trabalho reúne sambas meus e de ouros com um significado todo especial para mim. Uns, como NOVA ILUSÃO, PRA QUE MENTIR e MENTE AO MEU CORAÇÃO foram ouvidos por mim, pela primeira vez, de um amigo já falecido que papai considerava como irmão, chamado José Menezes, o Zezinho, dono de um poder de alegrar as reuniões de música que constantemente se faziam em nossa casa. Foram momentos que ficaram em minha memória de forma viva, acontecimentos que têm grande influência naquilo que hoje faço. Quando não era o Zezinho, era o Santiago, cantador de modinhas, ou então, o Álvaro Cardoso com aquele vozeirão, cantando sambas que fazia para os blocos de carnaval de Botafogo:

“Alta madrugada, já clareando o dia
e ela vem chorando, voltando da orgia...”

Os novos sambas que fiz, ou falam de fatos vividos por mim e aqui transcritos com humor, às vezes com lirismo, ou pretendem atingir um certo espírito de época como O CARNAVAL ACABOU e PERDOA, um partido alto à maneira dos velhos sambistas que ficavam horas numa festa ou num boteco tirando versos. Já COISAS DO MUNDO, MINHA NEGA, julgo uma regravação oportuna pois a primeira que fiz se encontra fora de catálogo e não foi muito bem feita. Além disso, é dos meus sambas, aquele que mais gosto. MEU NOVO SAPATO lembra qualquer coisa de Mário Reis e Sinhô numa aparente contradição tenta reafirmar, através da letra, o incômodo e necessário surgimento do Novo questionando e querendo transformar a vida. Não pretendo com isso chamá-lo de Novo Samba. Apenas VELA NO BREU poderia ser considerada uma exceção feita de parceria com meu amigo e poeta Sergio Natureza. Mas não é. Conheci e conheço muitas personagens semelhantes ao do samba. Um exemplo? Joãozinho da Pecadora, grande figura humana, capaz de transmiti lições de vida a qualquer pessoa. E existem muitos outros na vastíssima MEMÓRIA DO POVO BRASILEIRO.

Rio, 20 de janeiro de 1976


1 - Nova ilusão (Claudionor Cruz - Pedro Caetano)
2 - Cantando (Paulinho da Viola)
3 - Abre os teus olhos (Paulinho da Viola)
4 - Dívidas (Élton Medeiros - Paulinho da Viola)
5 - Perdoa (Paulinho da Viola) participação especial: Elton Medeiros
6 - Mente ao meu coração (F. Malfitano)
7 - Pra que mentir (Vadico - Noel Rosa)
8 - O velório do Heitor (Paulinho da Viola)
9 - O carnaval acabou (Paulinho da Viola)
10 - Coisas do mundo minha nega (Paulinho da Viola)
11 - Vela no breu (Sergio Natureza - Paulinho da Viola)
12 - Meu novo sapato (Paulinho da Viola)

 

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